14/08/2023

Anulada cobrança por tratamento de urgência feito durante carência de plano

Por Renan Xavier

Nos casos de urgência de tratamento, o valor da vida humana ultrapassa o relevo comercial. Seguindo esse entendimento, a 9ª Vara Cível de Campinas (SP) declarou a inexigibilidade de uma dívida cobrada por um hospital a uma paciente que foi internada para tratamento enquanto seu plano de saúde ainda estava em período de carência.

De acordo com os autos, a paciente foi internada em um hospital particular para tratar uma pneumonia bacteriana. Ela ainda estava em período de carência com o plano de saúde. Meses após a alta, a unidade cobrou R$ 12,9 mil de uma conta não coberta pelo plano.

Ao avaliar o caso, o juiz Francisco José Blanco Magdalena disse que, tratando-se de plano de saúde, são aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 469 do STJ). “É indispensável, nesse tipo de avença, a confiança mútua, ou seja, a segurança de ambas as partes no que tange ao cumprimento do contrato. Assim, sendo urgente o tratamento, a negativa do plano de saúde foi ilícita. Não poderia a ré, de forma unilateral, eximir-se da obrigação de cobrir os custos necessários para o tratamento médico sob a alegação de que a autora ainda estava cumprindo período de carência.”

O magistrado destacou que a cláusula que estabelece a carência não é abusiva, pois não desequilibra o contrato, “mesmo porque, estabelecida essa restrição, há evidente reflexo no preço a ser pago pelo aderente, podendo variar em função da extensão maior ou menor dos riscos cobertos”.

O juiz ponderou que, quando foi aceita a submissão à carência, a paciente não imaginava que poderia sofrer com um problema de saúde tão sério. “E é justamente esta a situação que os autos revelam, pois a autora deu entrada no hospital com quadro de urgência, tanto que exigiu a imediata internação. Nessas condições particulares, torna-se inaplicável a cláusula contratual limitadora, não propriamente por ser abusiva, mas pela sua aplicação de forma abusiva, em contraposição ao fim maior do contrato de assistência médica, que é o de amparar a vida e a saúde.”

Aplica-se ao caso, destaca o juiz, o artigo 35-C da Lei 9.656/98, que estabelece a obrigatoriedade da cobertura do atendimento nos casos de emergência e urgência, com destaque ao previsto artigo 12, V, alínea c da mesma lei, que estabelece que o prazo mínimo para cobertura dos casos de urgência e emergência é de 24 horas.

“Conclui-se, portanto, ser indevida a recusa de cobertura em momento delicado da saúde da autora, notadamente quando os próprios profissionais médicos da rede credenciada da requerida atestaram o caráter de urgência, com expressa indicação de internação, o que sequer foi impugnado pela ré.”

O juiz compreende que a operadora do plano de saúde queira evitar que pessoas contratem e passem a onerar o benefício desde o primeiro dia. Porém, esta preocupação só é legítima quando se trata de situação eletiva, não emergencial. “O consumidor não tem controle sobre acidentes ou situação emergenciais, de modo que admitir carência tão longa implica, na prática, em esvaziar o conteúdo do contrato, frustrando-lhe a finalidade. Dessa forma, merece guarida a pretensão da parte autora, a fim de determinar a inexigibilidade da dívida, com a baixa de qualquer negativação vinculada ao referido contrato, já que os custos devem ser arcados pela operadora do plano.”

O magistrado negou o pedido de indenização por dano moral contra a paciente. “O cenário certamente não teve o condão de lhe causar aflição, dor, mágoa além daquela cotidiana, normal, tolerável na própria da vida em sociedade, motivo pelo qual seu pedido de indenização é improcedente.”

A paciente foi atendida pelo advogado Alexandre Lagoa Locatelli.

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Processo 1004736-90.2023.8.26.0114

 

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